quinta-feira, 27 de março de 2008

Sgt Pica-pau em peçonha



O apartamento era uma colina de ego. Da piscina víamos as luzes da cidade. A miniaturas aos nossos pés. O dono da casa também tinha todos sob os pés. Um por vez para os copos cheios. Era o preço. Até que barato. A decoração escura não chegava a ser pesada. Combinava com o fundo da piscina, um lago negro de estimação. E o dente que doía. Balançava no limite que estragaria a noite de glória. Nadava e bebia ali gente que eu não via há anos. Pessoas influentes. Minha vez de encher os copos. O meu e o do anfitrião. O chão parecia não se molhar. A dor estava insuportável. Resolvida a formalidade, mergulhei e arranquei a estalactite que dilacerava a carne das minhas gengivas. E a piscina virou um mar vermelho, com um único fariseu dentro.

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Assistia às partidas com o pai da mulher com quem iria casar-me nos próximos dias. Torcíamos pelo mesmo time num esporte completamente estranho. Isso ajudou. Durante anos, ele precisou de um companheiro. Era ali onde ele se sentia útil de verdade. Vivo. E não apenas um "pagador de contas".

- Ainda bem que tenho isso aqui !

Sempre voltávamos em silêncio. Ele na frente. Eu alguns passos atrás. Um silêncio amigo. O caminho oferecia alguma dificuldade para um estranho ou para alguém sem reflexos. Mas o velho ainda estava em forma e se orgulhava de não colocar uma gota de álcool na boca.

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Enquanto víamos o telejornal, os demais parentes abriam ainda mais os buracos que possuíam nas panturrilhas. Não pareciam coçar. Era algo parecido com cavar. A geladeira estava lotada de cubas de gelo com o antídoto amarelo.

- Os filhos já morderam o hipopótamo. E de quem é a culpa ?

A mão do velho girava num ritmo constante. Com equilíbrio total. Talvez por isso ele dissesse coisas desconexas. Ninguém o respondia. O líquido aos poucos ia ganhando o tom definitivo, mas antes passava por todas as tonalidades do amarelo.

- A cega dormiu !

A loção estava pronta. Enquanto os feridos a passavam nas suas pernas cambaleantes, fiquei fumando do lado de fora. Esperando a aparição do desgraçado

- Eu sou o cravo !!! Eu sou o cravo !!! , eram os gritos que saiam da casa.

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A peçonha ficava na extremidade inferior, juntamente com a presilha, no corpo em forma de interrogação. Não era algo fácil de perceber. A marca que identificava o apoio aparecia sutil. Um ponto insignificante diante do buraco causado pelas picadas. Múltiplas e seqüenciadas. A elasticidade contribuía com as idas e vindas da víbora. O estrago causado assustava e o osso era sempre o limite.

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Estávamos a sós na mesa de jantar. Nosso futuro era um fantasma bastante incerto. Mas havíamos planos e segurávamos a mão um do outro. Riamos pelo prazer da companhia. Pela confiança mútua. Queríamos lar e crianças. Pão e poesia. A luz da vela Tranqüilizava. Na realidade, não sabia mais do que gostava nem do que não gostava. Aprendia sobre o que se devia saber e o que deveria ser evitado.

- Aqui temos algo chamado Sol. E também cortinas. Quando ele se vai, vamos todos.É o sinal. O nosso horário. Tin Tin !