segunda-feira, 7 de julho de 2008

sexta-feira, 27 de junho de 2008

O incendiário

Hoje tentei escrever algo. Não deu muito certo. Sempre procuro
descarregar no papel minhas decepções pessoais. Acho mais sensato e
inofensivo que descarregar o tambor do revólver na cabeça de alvos
fixos. Já pratiquei tiro. “Alivia os nervos e se paga pouco por uma
bala. Menos do que se pagaria em minhocas e manutenção do barco”. As
vezes sigo esses conselhos idiotas. Talvez escrever tenha sido um
deles. Uma vez li escondido o diário de uma namorada. Se aquilo
fosse um espelho, teria realmente pensado em descarregar o tambor do
revólver na minha cabeça nada fixa. Obvio que pedi explicações sobre
aquele monstro que ela descrevia e que por coincidência tinha o
mesmo nome que eu. Ouvi dela que algumas relações são salvas por
putas. Outras por dinheiro. A nossa era salva por um diário. Pois
bem, fiquei com isso na cabeça depois que nos separamos e comecei a
fazer o mesmo. Na verdade nem foi um conselho da parte dela, mas
como meus tiros e minhas pescarias a irritavam, entendi como se
fosse, por ter perdoado minha invasão à sua privacidade. Nunca
pensei em me tornar escritor. Já coleciono algumas coisas escritas,
mas jamais penso em mostrar isso a alguém. Preferia mostrar minhas
vísceras abertas . Pelo menos não teria a possibilidade de me
envergonhar. Se meu corpo tivesse um corte que o deixasse exposto,
certamente estaria morto. A sensação de me imaginar uma peça de
museu dentro de um caixão me envergonha, mas não menos que o
desprazer de ver alguém sentado num banco de praça lendo algo
assinado por mim enquanto seu cachorro se alivia nas árvores. Sem
falar em ter que seguir toda a ordem natural das coisas : ser
descoberto, ser lido, ser esquecido. Se é pra ser extinto, que seja
sem passar por isso. Olho para o papel. Não consegui sair da
primeira linha. Amasso, arremesso e jogo o fósforo aceso para
contemplar a destruição de mais uma frustração. Ordem natural das
coisas. Vou no cofre e pego todos os papeis que guardava. Minha nova
forma de aliviar tensão. E se gasta menos do que com revólveres,
balas, minhocas e varas de pescar. Em todos os papéis também não
havia passado da primeira linha. Desconfiava disso, mas não tinha
certeza. Nunca relia aquilo que achava que escrevia. Apenas escrevia
e empilhava mais uma folha no cofre. E me sentia realmente aliviado.
Pronto para sair e fazer o que deveria ser feito. Então queimei
tudo. Preciso encontrar outra coisa pra fazer agora. Queimar papel
pode ser algo perigoso. Talvez Nero tenha começado assim. Vou
queimar algo podre para que isto possa ser purificado. Foi indo
assim até pensar em Roma. Foi uma idéia brilhante. O problema é que
um incendiário é sempre um louco digno de intervenção psiquiátrica.
E eu sei que não sou louco. Talvez esteja desenvolvendo a aptidão
para ser um grande incendiário, algo que não seria como pescador ou
atirador. Escritor, como já disse, nunca pensei em ser, mas gostava
de escrever. E obviamente, para ser grande se deve primeiramente ser
apaixonado por aquilo que se faz. Profissão : incendiário. Está
resolvido. Posso dormir tranqüilo agora. Acho que amanhã vou à
praia, sei lá.

Sem cura


Estou doente de idiotia coletiva
Meu pulmão parece encharcado de águas vivas
Pensei que isso nunca fosse acontecer comigo
Coço a cabeça
Cravando as unhas no cranio, conto todos os centavos
Primeiro sintoma do contagio
...
Estou cheiroso e de gravata
Acordei no mesmo horário
Meu despertador não é mais um tapa
Muito papel e um desjejum a base de papa
New Life...eu sorrio na capa.

Cinzas

Fumar um cigarro logo nas primeiras horas do dia e bater as cinzas no peito pode não ser algo decadente e por que não deprimente quando se tem 18 anos de idade e uma puta nova que faz recordar com um sorriso estúpido a noite anterior e também um carro que não faz gastar o dinheiro que cresce como barata em esgoto na conta bancária especial em mecânicos ignorantes e que enquanto as cinzas do cigarro matinal caem encima do peito e o deixam com uma aparência cinzenta que preocupa tanto quanto o cheiro de vagina impregnado nos bancos do veiculo que está na garagem esperando de vidros abertos...Talvez seja até uma experiência importante na formação do caráter de uma geração inteira...A geração que faz isso até o dia em que o peito não estará cinzento pela influência das cinzas e sim por já passar dos 40 anos como eu já passei e morar sozinho em um apartamento sem mesa de jantar esperando receber algum telefonema no dia do aniversário e atender ao toque da campainha com uma ilusória esperança para ouvir de um oficial de justiça de merda uma ordem de despejo com prazo final de sete dias úteis ou inúteis e em seguida voltar para o luxo que ainda resta que é a cama para acender um cigarro nas chamas que destroem o papel da intimação que estragou o dia por completo o dia do teu aniversario de quarenta e muitos ou poucos anos e deixar as cinzas não apenas do cigarro caírem encima do peito cheio de fios grisalhos deitado em um quarto empoeirado sem ordem e sem um bom odor...Minha vida está deprimente e por que não decadente e sei que devo sair por aquela maldita porta mesmo que não queira encontrar ninguém no elevador muito menos na rua e em canto nenhum porque ficar diante da janela não vai me livrar da sarjeta daqui a uma semana e a garrafa que pela metade tenho certeza encontra-se embaixo da cama vai continuar embaixo da cama até eu voltar com alguma solução para assim poder beber e chorar por mais um ano de vida porque comemorar e festejar não consigo mais fazer...Vou sair...Sim, vou sair...Mas antes preciso tomar um banho e fazer a barba e antes de me limpar todo inclusive os dentes vou fumar meu segundo cigarro do dia dessa vez o acendendo numa chama ainda maior que queima os lençois e solta uma fumaça escura que irrita os meus olhos cegos.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Night Bon Vivant

Falava em terra prometida e oportunidades, mas a compreensão travava duelos com a facilidade. Havia esquecido a língua materna e com a nova fazia insalata. Nova seria algo impreciso. Deixara o esconderijo das montanhas geladas há 50 anos no mínimo.

“Não acredito que todos estes prédios estão aqui e a delícia das buzinas.”

Enchia os bolsos para cobrir as tangentes emergenciais e assim ganhou a simpatia do grupo rejeitado, no qual se incluíam as primeiras putas.

“Madames, signorine, lady’s di tutte le monde.”

Os subornos maiores resolviam-se com uma esperteza que se camuflava de inocência. O piedoso tem o hobby de fraquejar diante do ser rastejante. Assim foram construídos os impérios do futuro. Sobre a fragilidade daquelas carcaças.

“Porca Madonna, Signor Juiz. O que isso faz aqui ? Estou perdido.Não sei o que fazer. Juro que não sabia. Que surpresa ! Como isso foi acontecer ?”

Abriu um Night, em sociedade com um chefe de policia local. Proteção e garantia nos ingredientes do mesmo molho. Se comia bem naquele Night.

o Esse tipo de postura deve ser apreciado incondicionalmente. Se o grosso do lucro não vem da pizza e muito menos dos spaghetti, isso é uma outra conversa.

As práticas sexuais seguiram um rumo diverso da sua mentalidade. Não se pode imaginar a figura do velho Pompeo diante do que os evangélicos chamam erroneamente de prevaricação. Com a sua morte, a transformação do Night Bon Vivant em Club de troca de casais foi algo inevitável. Aliás, um estilo de vida chamado de Swing. Estilo que nunca foi o seu.

Primos e sobrinhos e todo tipo de parente vieram encontrá-lo na Nova Terra.

“E chi lo capisce ?”

Quando mulheres apresentavam-se na comitiva internacional, os limites eram demarcados com a zona gastronômica do Night. Famiglia e escândalo, combinação zero. Os rapazes encantavam-se com o leque vulvático do grande maestro desbravador. O homem que atravessou o oceano para provar que por trás ou dentro de uma vagina poderiam ser encontrados o destino, a fortuna e a risada. Pompeo assim reagia diante da inércia dos convidados. Boquiabertos e incrédulos, nem pareciam seus parentes.

“Èeee tocca...tocca...”

Um mito.

Um misticismo que é bastante incompreendido. Nada mais natural, por todas as razões e justificativas até então apresentadas. Se era difícil entender o que ele dizia numa frase mais elaborada, o que absorver então de toda uma linha de raciocínio ?

Toda a investigação foi cancelada, até porque a sua razão não ultrapassava o campo da curiosidade. O recado na verdade sempre esteve direcionado aos amantes do glutonismo. O Bon Vivant está perdendo o rumo. Não interessa nada nem nunca interessaram as esposas traídas, as separações e os divórcios, as trocas de casais, o marido voyeur que se masturba vendo a mulher sendo preenchida por um sado-machine a caráter, os subornos e armações políticas.

A pizza, principalmente A Pizza, deveria ser preservada em respeito a um nome. Crocante e imponente. Sem priorizar o recheio. Massa, molho – recheio. Uma pinça de dedos capaz de manter um equilíbrio com a presilha encaixada em qualquer extremidade.

O que vem servido atualmente mais parece uma posta de borracha. Uma sandália de dedos com a mozzarella em cima. Ou qualquer coisa que apenas se queira chamar assim. Tudo menos a di búfala, sicuramente.

Pra cada litro d´água, servem 50g de sal, 5g di lievito e algo maior que um quilo e meio e menor que dois quilos de farinha. Umas das fatias do segredo.

A fermentação é feita num repouso de quatro horas. Caminha de mármore e carinho. Muito fiscal já foi fisgado que nem peixe. A desculpa é sempre o tempo, a correria da grana. Mas se as portas fecharem e os urubus forem convidados pro literal bota-fora, não sobrará um fio de basilico pra desfarçar de louro. Um lençol úmido, que pode ser também um pano, é útil para confortar a criatura. Um centímetro de espessura, outra fatia do segredo.

O primeiro banho de uma criança. Qual é a mãe que esquece ? Olio extravergine d´oliva. Forno a lenha, 450 – 485 graus, e o mundo que se acabe ali, girando e ardendo como Tróia em chamas.

Falam em “presuntada” no Bon Vivant. Quem diria. A começar pela sonoridade. “Èee tocca...”. Terrível. Honra e respeito são termos extintos na boca (tudo o que se refere a ela) dos profetas pervertidos desse Novo Mundo, tão prometido quanto enterrado.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Traços !

Não !
Cara de cachorro ! Traços faciais paralelos !
Diretor : humano...Charuto : queimando em camera lenta...Oculos de aros negros...Humor negro. Barba de espinhos e boslos quadriculados.
Dois irmãos e um amigo em comum.
Uma mão em cartoon busca abocanhar um mosquito. Em vão ! uma vez...Não ! duas , três quatro...O mosquito desliza...sucessivas vezes...baila daqui...baila de lá...escapa por cima...escapa por baixo...vai, vai, vai...desliza por baixo, desliza por cima...
Três amigos...Dois irmãos e um estranho...
Tijolos de mosquitos...Muro Nômade...
Os três em equipe...Ao mesmo tempo...Um de cada vez...Nenhuma morte !
Tudo em desordem...Com as duas mãos...Bate, voa, desloca, volta, ataca descansa...
Huf Huf Huf...Hasf Hasf...AGORA !!!
Ventilador...Helicoptero...Furacão...
Três inimigos...Exaustos...Perigosos...
“Mais vigor ! Trabalhem, rabiscos de merda !”
Mãos em movimento. Traços borrados.
Charuto apagado. Charuto aceso. Mãos nos boslos.
“Matem esses desgraçados !”
Traços imperfeitos. Pernas, tronco...mãos em movimento...riscos...rabiscos...mosquitos em fuga...Universo quadrado.
Sentido horario. Sentido anti-horario...Sentido horario.
Cama. Janela aberta...Desenho ou pessoa ?
Relogio antiiquado...despertador fajuta...Big Bang...alarme de carro...Toque de despertar...Big Ben...Relógio de pulso...tapa na cara...Relógio de pulso moderno com choque mortal e fornecedor de náuseas...Ponteiros de lança...
Não ! ...Agora não !
Suor na fronte.
Mosquitos trocam de turno e de roupa. Saem serenos como se nada houvesse acontecido.
Diretor de ferro...Maquina de triturar lixo...Horizontal...Vertical...Diagonal direita esquerda...Vice-versa...Lápis triturado...Papel triturado...Membros decepados...Sangue nas roupas e no papel...
Desespero...Susto...Respiração ofegante...Respiração sequenciada, ainda forte...Confusão mental...Ninguêm ao redor.
Filho único, de poucos amigos.
Mãos manchadas de tinta. Camisa suja por pingos e traços negros.
Olhos borrados por lágrimas. Boca seca.
Mãos no rosto.
Não ! ...Por favor, agora não !
Quarto escuro...Feixes de luz por toda parte...Mãos em movimentos rápidos incalculáveis...Poeira invisivel completando cada feixe de luz...Cada narina...Cada retina...Cada bueiro...Cada inspiração...Cada espirro.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Quando...


Ontem a noite eu encarei o sol. Estava com os bolsos cheios. Não lembro bem de que. Dormi sozinho e acordei acompanhado. Ou será que foi exatamente ao contrário ? Talvez nem tenha sido ontem. Eu sei que foi logo depois que reguei as plantas. O que me causa espanto é que há muito não cultivo jardins. Isso foi na época em que havia entrado para os fuzileiros navais. O presidente era aquele ...O... Bem, certamente eu já não era mais vegetariano. Por qual razão meu prato encontra-se cheio de tomates ? Será uma inconsciente recaída dos inveterados ? Quem sabe, os viciados agem desprovidos de razão. Principalmente os naturistas. A verdade é que logo após esse episódio eu fechei as janelas e encontrei um gato morto em cima do sofá. Eu nunca criei gatos. Convivi com estes indecentes animais sem higiene quando meus pais sumiram e passei a morar com aquele meu primo que gostava de matemática e usava óculos, o Rubens. Já falei sobre o Rubens ? Foi ele quem me explicou a possibilidade dessa experiência. Desde que certas condições fossem atendidas. Mas quem usava óculos não era o Rubens. Era eu. O Rubens tambem não criava gatos. Meu Deus. Ele tinha um papagaio, que sempre perguntava pela hora do jantar. Aquilo nunca foi frango.

O espetáculo / Dança da morte

O sinal está fechado
Abrem-se as cortinas para o circo dos dispensados
Guardiões da miséria, remanescentes da fome
Palhaços, malabaristas, mutilados
Executivos do fracasso
Magnatas de asfalto e calçadas
Nenhum futuro a lhes garantir o sorriso desdentado
Respeitável público !
Vai começar o espetáculo dos horrores
Se não houver pipoca, comam as moedas.

... ... ... ...

Estamos todos perdidos
Nadando em um tudo muito bem
Temos orgulho da condição humana
Mesmo sem confiarmos em ninguém
Comemos, jogamos, traimos
Mas ainda não aprendemos a dançar
Não se acredita no acaso, nao se espera contar com a sorte
Vamos dar as mãos e embalar a dança da morte.

Insana lucidez


O prego que se aranca do olho não deixa vestígio
A gonorréia da viúva transmitida pelo próprio filho
Sangue, fúria, nojo
Morte irreversível
A honra sepultada numa laje com lama e ladrilho

sábado, 21 de junho de 2008

A feira

A maldição não honrou a trégua
A libido destrutiva voltou feroz
As carcaças apavoradas tentaram arrastar-se por léguas
Mas foram queimadas pelo fogo da furiosa voz
Toda a tecnologia derreteu-se de forma instantânea
Dando origem ao deserto da vingança contemporânea
Os sobreviventes ateus fizeram do cemiterio uma feira
Uma gota d'agua / o valor por cada caveira


sexta-feira, 20 de junho de 2008

Morácida

O anti (a)favor

Menos / de Mais

Um caldeirão de idéias requentando sopas de letrinhas

Com prazo de validade [iʃ tɔ´ɾadu]

Tudo empilhado, semelhança de fumaça

Pilhas de Pisa

Comemos dores recicladas, o descarte da carta

Não estruturas carcomidas, endereços de abstração

O papel em branco, pálido de medo

Não é o vazio da ignorância

Mas o coração materno

Nele cabem todas as palavras do Mundo

As tintas de cores idas e vindas

Desunidas em cheiro, clips e ligas amarelas

Incluindo os rascunhos, antigos e recém nascidos

Que vão pro lixo

E voltam escondidos de vergonha

Nessa palidez do papel em prantos.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Autópsia

Adoraria conhecer o meu legista
E lhe pedir um seu cigarro fedorento
Ou pelo menos resgatar meu documento
Soltar o grito que não dei ao analista
Faltou respeito ao rasgarem minha camisa
Estava nova, tirando o furo inesperado no meio do peito
um corte largo atravessa a minha barriga
Fazem a tarefa que meu algoz não teria feito
Na minha testa pinga algo frio que cai do teto
Nem mais nem menos que esta cama de azulejos
A equipe de branco conversa sobre o tempo e já não mais vejo
A luz amarela refletida no vidro cheio de fetos

segunda-feira, 26 de maio de 2008

O grito

O caminho a seguir no leque do imediato
Inovando a fuga da inevitável frequência
O grito do sentido vivo calado
Transforma a arte em um álibe perfeito
Toda ordem empregando a violência
Digerindo o racional em qualquer onda de conceito
A escolha do vício livre convidado
Estimula a fórmula da potência percebida
Proibidamente paralela ao sistema programado
Que transmite o ventre do destino sem saída
Um único código no mercado disponível
Permite a leitura do segredo inalterado
Em meio ao fogo bem cruzado do impossivel
Brilha a luz do original jamais pensado
Intransponível decifrável irreversível.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Prestidigitação

Assim sendo a tarde se deita vadia

Com o único olho solar no meio da testa

Salivando o sangue da compreensão e do sonho

Tétricos gestos lentos e íris desvairada

Assim sendo a noite não por piedade é fria

Derrotados os endotérmicos por leves passos no piso

De mármore pago com um fígado repleto de lama

Na doença ferina a febril companheira de cama

Assim sendo como um quadro no chão a manhã cairia

Por longos segundos agonizante em meio a flores funestas

Que se elevam helicóides para louvar o eclipse cabal

Numa biosfera de peçonha venérea

São bilhares as serpentes coronárias


quinta-feira, 27 de março de 2008

Sgt Pica-pau em peçonha



O apartamento era uma colina de ego. Da piscina víamos as luzes da cidade. A miniaturas aos nossos pés. O dono da casa também tinha todos sob os pés. Um por vez para os copos cheios. Era o preço. Até que barato. A decoração escura não chegava a ser pesada. Combinava com o fundo da piscina, um lago negro de estimação. E o dente que doía. Balançava no limite que estragaria a noite de glória. Nadava e bebia ali gente que eu não via há anos. Pessoas influentes. Minha vez de encher os copos. O meu e o do anfitrião. O chão parecia não se molhar. A dor estava insuportável. Resolvida a formalidade, mergulhei e arranquei a estalactite que dilacerava a carne das minhas gengivas. E a piscina virou um mar vermelho, com um único fariseu dentro.

... ...

Assistia às partidas com o pai da mulher com quem iria casar-me nos próximos dias. Torcíamos pelo mesmo time num esporte completamente estranho. Isso ajudou. Durante anos, ele precisou de um companheiro. Era ali onde ele se sentia útil de verdade. Vivo. E não apenas um "pagador de contas".

- Ainda bem que tenho isso aqui !

Sempre voltávamos em silêncio. Ele na frente. Eu alguns passos atrás. Um silêncio amigo. O caminho oferecia alguma dificuldade para um estranho ou para alguém sem reflexos. Mas o velho ainda estava em forma e se orgulhava de não colocar uma gota de álcool na boca.

... ...

Enquanto víamos o telejornal, os demais parentes abriam ainda mais os buracos que possuíam nas panturrilhas. Não pareciam coçar. Era algo parecido com cavar. A geladeira estava lotada de cubas de gelo com o antídoto amarelo.

- Os filhos já morderam o hipopótamo. E de quem é a culpa ?

A mão do velho girava num ritmo constante. Com equilíbrio total. Talvez por isso ele dissesse coisas desconexas. Ninguém o respondia. O líquido aos poucos ia ganhando o tom definitivo, mas antes passava por todas as tonalidades do amarelo.

- A cega dormiu !

A loção estava pronta. Enquanto os feridos a passavam nas suas pernas cambaleantes, fiquei fumando do lado de fora. Esperando a aparição do desgraçado

- Eu sou o cravo !!! Eu sou o cravo !!! , eram os gritos que saiam da casa.

... ...

A peçonha ficava na extremidade inferior, juntamente com a presilha, no corpo em forma de interrogação. Não era algo fácil de perceber. A marca que identificava o apoio aparecia sutil. Um ponto insignificante diante do buraco causado pelas picadas. Múltiplas e seqüenciadas. A elasticidade contribuía com as idas e vindas da víbora. O estrago causado assustava e o osso era sempre o limite.

... ...

Estávamos a sós na mesa de jantar. Nosso futuro era um fantasma bastante incerto. Mas havíamos planos e segurávamos a mão um do outro. Riamos pelo prazer da companhia. Pela confiança mútua. Queríamos lar e crianças. Pão e poesia. A luz da vela Tranqüilizava. Na realidade, não sabia mais do que gostava nem do que não gostava. Aprendia sobre o que se devia saber e o que deveria ser evitado.

- Aqui temos algo chamado Sol. E também cortinas. Quando ele se vai, vamos todos.É o sinal. O nosso horário. Tin Tin !

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

VIDA EM VERMELHO...



Das calçadas descalças brota o sangue borbulhante

Cru com revestimento de pús

Das insônias acumuladas

Dos cafés da manhã a base de Prozac

Os bueiros agora estão cuspindo os segredos

Dos selvagens que se adaptaram aos seus medos

O cotidiano em preto e branco

Da poluição das nuvens que urinam ácido

Precisa agora se adaptar ao vermelho

Com a cegueira que não impede de se olhar no espelho

As cabeças rolaram

Mas a arte continuou moderna

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008


E sendo o caso especifico, ficou completamente fora de contexto. Em outros tempos foi diferente, as pressões e as nuances eram muito mais significativas. Valorizar vai ajudar a interpretar. Interpretar vai ajudar em quê? O caminho dessas dúvidas geralmente é mais longo. Portanto, o que for mais curto agora terá maior importância e assim sucessivamente.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008





Saíra bruscamente de um escuro profundo e entrei no carro. Dobramos a 80 km por hora, descemos pro bar e deixamos o recinto debaixo de uma névoa fraca. Ficou o vulto em diagonal, formado por cores fortes e um som muito distante harmonizado com a luminosidade fria da calçada.
E desde quando vale a pena ir ate lá pra pegar 10g?
Ele tinha falado ironicamente, mas eu estava muito sério; deve ter sido por isso que não entendi. Seguíamos sempre em frente.Tentei adivinhar qual era o carro. Lembrei-me daquele opala prata. E este outro bar? Eu tinha certeza de que ele não conseguiria chegar. É muito comum morrer no trânsito, mas isso não tinha importância naquela hora; queria mesmo era encontrar a carroça.
A semelhança desse lugar com qualquer esquina de Roma é gritante. Lá os 40 graus não seriam tão degradáveis. Em toda esquina pode-se encontrar sombra gelada [há ainda os que fazem tudo em dois ou três dias. “Você vai ali pra piazza navona, vaticano, tem mais algumas ruínas... nunca mais pisa”. Roma: neanche tutta l´eternità basterebbe per ti capire] ou em 20 minutos, no máximo, vai-se muito longe, mas é noite e mal avistamos uma castanhola obscura, ele corre gritando.
Até agora não identifiquei o carro. Mas consigo visualizar como estavam as duas moças poucos minutos antes de chegarmos. Cabelos louros oxigenados na praia com dois dedos negros de raiz. O rosto, muito flácido e redondo, estava nervosamente maquiado. A outra não consigo lembrar bem, apenas de que era muito ossuda. As duas resmungavam e gritavam. Babando, às vezes. Estavam completamente “entorpecidas” e se sentiam, fora de qualquer contexto, relativamente confortáveis naquele confronto. Bancos de couro, bem melhores que os seus travesseiros alheios de então. Sintonizam muito mal uma estação de rádio protestante que as entretém até nosso encontro.
Uma luta digna dos dramas mais fortes jamais vistos. Ele engalfinhado nelas. Faziam um movimento continuo de desmembramento da lógica de qualquer briga: braços, pernas, cabeças... Desaparecendo e encontrando-se uns nos outros. As duas ainda muito fechadas em seus autismos momentâneos. Uma, de vez em quando, conseguia perceber levemente do que se tratava e tentava morder meu amigo; enquanto a outra era só sorrisos e olhares perdidos, mesmo quando levava socos na nuca.
Eu atacava pouco, do lado de fora, pela janela, com o meu guarda-chuva-bengala. Ataco até aparecer uma seringa nas mãos delas jorrando um liquido verde. Queria sumir dali o mais depressa que pudesse.
E sumo correndo, caindo a cada dez metros no asfalto molhado. Espero que aqueles três tenham-se entendido, acabado fodendo ou se ajudando de alguma forma.
Apareço numa roda de bate-papo. Muito deslocado, senti que precisava, urgentemente, fazer alguma coisa para por termo ao esforço deles de não deixar o que estava em evidência acabar. Recordo-me daquele mendigo talentoso que uma vez disse: o problema provavelmente é comigo. Apesar disso, não me conformo e, nem por um segundo, passou-me pela cabeça compartilhar aquela descontração.
Eles fingem que me compreendem. É fácil perceber que é mais por receio do que por qualquer outro motivo. Eram alguns conhecidos meus e sabiam de onde eu vinha. Continua tão fácil enganar agora quanto há dez anos atrás. É certo que os motivos eram outros, mas a sensação é praticamente a mesma.
De sobressalto, com as mãos ainda sangrando e os joelhos em carne viva, forjo uma saída fácil para agora. Ainda não estou tão convencido e no caminho vou tomando, pelo gargalo, a última garrafa de uísque da semana.