quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

VIDA EM VERMELHO...



Das calçadas descalças brota o sangue borbulhante

Cru com revestimento de pús

Das insônias acumuladas

Dos cafés da manhã a base de Prozac

Os bueiros agora estão cuspindo os segredos

Dos selvagens que se adaptaram aos seus medos

O cotidiano em preto e branco

Da poluição das nuvens que urinam ácido

Precisa agora se adaptar ao vermelho

Com a cegueira que não impede de se olhar no espelho

As cabeças rolaram

Mas a arte continuou moderna

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008


E sendo o caso especifico, ficou completamente fora de contexto. Em outros tempos foi diferente, as pressões e as nuances eram muito mais significativas. Valorizar vai ajudar a interpretar. Interpretar vai ajudar em quê? O caminho dessas dúvidas geralmente é mais longo. Portanto, o que for mais curto agora terá maior importância e assim sucessivamente.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008





Saíra bruscamente de um escuro profundo e entrei no carro. Dobramos a 80 km por hora, descemos pro bar e deixamos o recinto debaixo de uma névoa fraca. Ficou o vulto em diagonal, formado por cores fortes e um som muito distante harmonizado com a luminosidade fria da calçada.
E desde quando vale a pena ir ate lá pra pegar 10g?
Ele tinha falado ironicamente, mas eu estava muito sério; deve ter sido por isso que não entendi. Seguíamos sempre em frente.Tentei adivinhar qual era o carro. Lembrei-me daquele opala prata. E este outro bar? Eu tinha certeza de que ele não conseguiria chegar. É muito comum morrer no trânsito, mas isso não tinha importância naquela hora; queria mesmo era encontrar a carroça.
A semelhança desse lugar com qualquer esquina de Roma é gritante. Lá os 40 graus não seriam tão degradáveis. Em toda esquina pode-se encontrar sombra gelada [há ainda os que fazem tudo em dois ou três dias. “Você vai ali pra piazza navona, vaticano, tem mais algumas ruínas... nunca mais pisa”. Roma: neanche tutta l´eternità basterebbe per ti capire] ou em 20 minutos, no máximo, vai-se muito longe, mas é noite e mal avistamos uma castanhola obscura, ele corre gritando.
Até agora não identifiquei o carro. Mas consigo visualizar como estavam as duas moças poucos minutos antes de chegarmos. Cabelos louros oxigenados na praia com dois dedos negros de raiz. O rosto, muito flácido e redondo, estava nervosamente maquiado. A outra não consigo lembrar bem, apenas de que era muito ossuda. As duas resmungavam e gritavam. Babando, às vezes. Estavam completamente “entorpecidas” e se sentiam, fora de qualquer contexto, relativamente confortáveis naquele confronto. Bancos de couro, bem melhores que os seus travesseiros alheios de então. Sintonizam muito mal uma estação de rádio protestante que as entretém até nosso encontro.
Uma luta digna dos dramas mais fortes jamais vistos. Ele engalfinhado nelas. Faziam um movimento continuo de desmembramento da lógica de qualquer briga: braços, pernas, cabeças... Desaparecendo e encontrando-se uns nos outros. As duas ainda muito fechadas em seus autismos momentâneos. Uma, de vez em quando, conseguia perceber levemente do que se tratava e tentava morder meu amigo; enquanto a outra era só sorrisos e olhares perdidos, mesmo quando levava socos na nuca.
Eu atacava pouco, do lado de fora, pela janela, com o meu guarda-chuva-bengala. Ataco até aparecer uma seringa nas mãos delas jorrando um liquido verde. Queria sumir dali o mais depressa que pudesse.
E sumo correndo, caindo a cada dez metros no asfalto molhado. Espero que aqueles três tenham-se entendido, acabado fodendo ou se ajudando de alguma forma.
Apareço numa roda de bate-papo. Muito deslocado, senti que precisava, urgentemente, fazer alguma coisa para por termo ao esforço deles de não deixar o que estava em evidência acabar. Recordo-me daquele mendigo talentoso que uma vez disse: o problema provavelmente é comigo. Apesar disso, não me conformo e, nem por um segundo, passou-me pela cabeça compartilhar aquela descontração.
Eles fingem que me compreendem. É fácil perceber que é mais por receio do que por qualquer outro motivo. Eram alguns conhecidos meus e sabiam de onde eu vinha. Continua tão fácil enganar agora quanto há dez anos atrás. É certo que os motivos eram outros, mas a sensação é praticamente a mesma.
De sobressalto, com as mãos ainda sangrando e os joelhos em carne viva, forjo uma saída fácil para agora. Ainda não estou tão convencido e no caminho vou tomando, pelo gargalo, a última garrafa de uísque da semana.