terça-feira, 18 de dezembro de 2007

VITÓRIA


Chegaram enfim ao restarante. Era o único aberto aquele horário. Riam e falavam alto. Pareciam comemorar algo. Mesa escolhida, apertos de mão frenéticos comprovavam a embriaguez já instalada. O garçom era chamado pelo nome.

- Colombo, whisky !!!

- Uma cerveja. A que a mão encostar primeiro.

- Humm...é...vou na cerveja também...

- Qual whisky ?

Ao perguntar, o garçom da um leve tapa nas costas do já conhecido cliente, usufruindo da sua limitada liberdade formal. A expressão de decepção com o pedido não pareceu verdadeira.

- Vulgar, para não misturar.

Os olhares estranhos retornaram aos seus copos e pratos.

- Que vitória !!!

- Que vitória.

- Que vitória...

- Ainda encontrei aquele meu amigo da procuradoria.

- Ahh...Bando de vampiros...

- O que é que você ta dizendo ?!!! Com que autoridade você pode dizer uma coisa dessas ?!!!

- Pegou pesado. Mas deixa pra lá.

- Não !!! Deixa pra lá nada !!! Agora ele vai falar!!!Essa ideologia de vida está errada!!!Pra se falar de alguém precisa ter bala na agulha!!!Principalmente pra falar de alguém como o Nestor Falcão!!!Vamos lá!!!Fala!!!Agora!!!

O garçom chegou com as bebidas. Um whisky e duas cervejas. Percebendo que os rostos apresentavam-se fechados, bem mudados em relação à chegada, tentou atrair a atenção para si. Usando toda a diplomacia que o consagrou como o melhor chefe de garçons dos meados dos anos 80.

- Que vergonha, beber um whisky do nivel desse ai.

- Colombo, você tem apenas que servir!!!Quero comer!!!Tem alguma sugestão para nos dar ?!!!

O garçom pega então e cardapio e o estuda com concentração. Como se não soubesse decorado tudo o que havia na casa. De cabeça. In memorian.

- Bem, sugiro este filet ao molho de ervilhas. Magnifico.

- Por quanto sairia ?!!! Pra poder ter uma idéia, Colombo!!!

Mais uma olhada no cardápio, desta vez com maior rapidez. Fingindo desconhecimento.

- Vejamos. Sai por 33 moedas.

- Com 33 moedas eu como um boi!!!

- Não é aqui.

- Pasteis. Traga pasteis. Pasteis variados.

A atenção volta-se para quem menos queria falar. Para quem estava arrependido de ter criado a polêmica, mesmo que sem intenção. Mas precisava falar. Acuado. Os ouvidos estavam sedentos. As bocas salivavam para devorá-lo. Queriam-no. Não os pastéis. Como canibais. Devoradores de ânimo. Não o filet com ervilhas. Como se já desejassem tudo isso há muito tempo. E precisassem de uma ocasião. Que estava ali. Na mesa. Sobre a toalha. Entre os copos. Na comemoração de algo comum aos três.

- Não quis...de forma nenhuma...o que estava querendo dizer...era de uma situação geral do País...histórica...que quem merece receber considerações...não recebe...em troca leva humilhações...e quem recebe não merece...não quis me referir ao excelentissimo Nestor Falcão...nem o conheço...apenas...

- Este discurso não leva a nada!!!

- Cada um tem que fazer a sua parte.

- Claro...mas era sobre isso que falava...sobre quem faz e bate com a cabeça na parede...mas...é...me desculpem se os ofendi...me referia a uma elite mentecapta que precisa destruir ídolos para conseguir seus objetivos torpes...mas vale tudo...vale tudo para...

O garçom interrompeu tudo. Sempre com discrição. Apoiou com delicadeza a guloseima e saiu. Suave. Como se flutuasse.

Ninguém ousou dizer mais nada. Por um bom tempo. Em silêncio, bebiam. Tentavam recuperar o fôlego, em silencio. Até que...

- Um brinde!!! À vitória de hoje!!!

-Um brinde.

- ...

Os três copos tilintaram sem emoção. Dois seguiram em direção às respectivas bocas. Um foi direto à mesa.

- Não se brinda sem beber!!!

- Nem sem olhar dentro dos olhos...

- Os pastéis estão ótimos.

Tudo poderia ter parado onde estava. No outro dia, quem se lembraria ? O garçom, talvez. Mas a bebida descia fácil. Instigava. Dava o ar necessário para um novo round. Quem estava nas cordas partiu com tudo em busca do nocaute. Foi de guarda aberta.

- A situação ta errada de longa data...quem quiser muda ? quem quiser fazer alguma coisa...é dentro do esquema...eu tenho certeza que tem filho da puta fudendo vocês...quem pega um cargo desses...pega pensando na estabilidade pessoal...não quero condenar ninguém...muito menos o ilustre Nestor Falcão...mas duvido que ele...

- Ele está lá por competência!!!

- Justo. Por competência.

- Sei...sonho dele de criança...mas não quero...

- Você fala por falar. Vomita e fica por isso mesmo. Como um rebelde juvenil. Mas qual é a tua idade mesmo ?

- E qual o problema de se pensar na estabilidade?!!! Estamos numa sociedade capitalista!!! Acorda pra realidade!!! Acorda pra vida, porra!!!

- Problema nenhum...apenas gera uma comodidade geral...uma estagnação secular...mas quem sou eu pra mudar...

- Faça a sua parte!!!

- Faça a sua parte.

- Claro...como vocês fazem...

- Eu por exemplo. Estou indo fazer uma prova pro Tesouro Nacional. Mas não farei aqui. Farei onde é mais fácil passar.

- Mas por que não aqui ?...tem tanta gente boa...como o Nestor Falcão...

- Farei onde é mais fácil ser aprovado. E assim ganhar as mesmas 10 mil moedas. Quero ficar tranquilo.

- Pensei que a tua preocupação fosse o Tesouro Nacional...

O garçom começou a recolher algumas cadeiras e mesas. Todas as outras pessoas desapareceram. O barulho das mesas e cadeiras sendo arrastadas era sugestivo para se pagar a conta e ir embora. Como todos os outros haviam feito.

Tudo pago. Ninguém mais pensava na vitória que comemorava antes. Os pastéis mal foram tocados.

- Vou indo na frente!!! Nos falamos!!!

- Tudo bem...eu fico pra terminar o copo...

- Eu fico pra acompanhar.

O garçom passa em frente à mesa. Para constranger de forma educada, com classe. Estava na hora de ir. O aviso era dado assim. Passando em frente à mesa. Com classe.

- Fiquei porque gosto de você. Somos amigos.

Os apertos de mão estavam de volta. Mas não poderiam se prolongar. A casa fechava.

- Mas acho que fiquei de otário.

- De otário acho que fiquei eu....mas não pelo último copo...deveria ter ido embora muito antes...

- Você é um safado. Sem humildade. Vocè me ofendeu agora. Estou indo embora.

Não se despediram. Cada um tomou um rumo diferente. Colombo aproximou-se e enquanto recolhia o que sobrava em cima da mesa, olhou para todos os lados. Alerta. Experiente. Recolheu os copos, a toalha, os pratos e os talheres saboreando o que havia sobrado.